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  • Jul 04, 2025
  • 7 minutes

Uma luta feminista a partir das aulas universitárias

Nicole Alexandra Aguilar Fonseca

O que acontece quando uma mulher tem o desejo de concluir seus estudos universitários, mas ele desaparece? A diversidade de violências que enfrentamos como alunas em sala de aula é suficientemente abordada? É concebível que, no ambiente educacional, a cumplicidade e o silêncio possam ser elementos-chave que protejam os agressores? Essas questões têm sido a origem e a continuidade de vários grupos de mulheres nas universidades equatorianas. Graças aos seus testemunhos e experiências, essas mulheres puderam perceber a importância de tornar visível uma problemática que, por suas particularidades, adota novas formas de expressão e de perseguição.

A nível mundial, a violência contra as mulheres constitui uma grave violação aos direitos humanos que impacta e acarreta consequências nos planos de vida das mulheres. Em algum momento, todas testemunhamos isso, direta ou indiretamente. Mas por que ninguém parece estar assustado? A humanidade será capaz de compreender a magnitude da perda de 200 milhões de mulheres e crianças devido ao aborto seletivo, ao infanticídio, à violência de gênero e à consequente discriminação?  Esse número supera as mortes masculinas registradas em todas as guerras do século XX, no entanto, os dados citados ainda não são suficientemente considerados.

No Equador, a situação lamentavelmente reflete a realidade da maioria dos países da região.  No ano de 2023, foram registrados 277 casos de femi(ni)cídio, sendo 68% deles cometidos com arma de fogo. As idades das vítimas concentram-se principalmente entre os 18 e os 35 anos. Dentre esses casos, 79 jovens mulheres estavam nessa faixa etária.  Atualmente, nos unimos para levantar nossas vozes em prol das 79 mulheres assassinadas por causa da violência de gênero.  Também fazemos isso por Abigail, o assassinato de número 80: em 16 de novembro de 2023, autoridades encontraram seu corpo e apresentaram acusações contra seu agressor.

Nos casos como o de Abigail, ou de Sandra, Emilia e Alejandra, estudantes universitárias assassinadas em várias partes do país, temos nos organizado para dar visibilidade e denunciar as outras formas de violência de gênero que acontecem nas salas de aula. Nesse contexto, nasceram coletivos feministas como a Coalición Feminista Universitaria (CFU) e, posteriormente, a Fundación Ciudadanas del Mundo (FCM). Através do emprego tático de estratégias de resistência não violenta, essas organizações posicionaram a problemática na opinião pública da comunidade universitária que não dava importância suficiente.

No início de 2020, a CFU se consolidou a nível nacional como um dos primeiros espaços da sociedade civil voltado para a prevenção e erradicação da violência de gênero ou da violência contra a mulher nas instituições de ensino superior.  Ao longo da pandemia de COVID-19, a CFU, por meio da autogestão, implementou em três anos de trabalho mais de 50 campanhas de comunicação, 25 fóruns e oficinas, dois seminários internacionais e se consolidou, até o momento, como um dos pontos focais de incidência juvenil da Lei Orgânica do Ensino Superior e da Lei Orgânica de Prevenção e Erradicação da Violência contra a Mulher, através da participação em mesas temáticas voltadas a fornecer pareceres sobre o conteúdo de ambas as leis. Em 2021, a CFU foi reconhecida com a distinção Embaixadores Cidadãos da organização The Millennial Movement e Global Goals Week.

Desde a sua fundação, a CFU permite que as demandas de jovens mulheres estudantes sejam canalizadas e orientadas para promover real impacto. A atuação e o posterior processo de articulação local com múltiplos coletivos feministas de outras universidades, permitiu que, pela primeira vez, fosse formado no âmbito das marchas nacionais de 8 de março e 25 de novembro, o Bloco Universitário.  Esse processo bem-sucedido de articulação reuniu a presença de mais de 800 estudantes universitárias e, em uma só voz, exigimos instituições de ensino superior livres de violência de gênero.

Ao mesmo tempo, a CFU tem acompanhado casos de violência de gênero nas universidades do país.  Mas, quando as denúncias são formalmente enviadas às instâncias administrativas de cada universidade, os casos geralmente são arquivados perante a ausência de Comitês de Gênero especializados.  Nesse cenário, optou-se por implantar estratégias não violentas que visibilizem as irregularidades de cada caso: convocação de protestos passivos e cartazes nas faculdades ou divulgação de depoimentos nas redes sociais — principalmente, no Instagram —. Dessa forma, a pirâmide de poder dentro das universidades tem sido combatida, principalmente nos casos onde a impunidade e o silêncio operam.

No entanto, as companheiras da CFU enfrentaram riscos significativos ao tentar tornar visível uma problemática dessa magnitude.  Desde serem submetidas a constantes perseguições até enfrentar casos de assédio por parte de professores e colegas nas aulas.  Nesse contexto, a luta das estudantes organizadas se viu obrigada a repensar seu modus operandi. Em um momento crucial, ficou evidente a necessidade de se estabelecer uma estrutura de proteção e apoio, que emerge como uma evolução natural do trabalho conjunto desenvolvido durante anos de militância.

Em meados de 2021, a partir da militância e do acompanhamento lado a lado nas ruas, o trabalho da Coalición Feminista Universitaria foi institucionalizado e nasceu a Fundación Ciudadanas del Mundo (FCM).  Até o momento, sua equipe é composta por 30 mulheres estudantes universitárias e profissionais de diferentes carreiras e experiências organizacionais, que contribuem ativamente nos cinco eixos de trabalho da organização: capacitação, acompanhamento jurídico, democratização da informação, pesquisa e incidência.

Dois anos após sua fundação, a FCM promoveu o Projeto de Lei Orgânica para a Prevenção e Erradicação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher no Ensino Superior, com a ex-membra da assembleia nacional Briana Villao.  Também forneceu oficinas de capacitação e campanhas de comunicação, reformou manuais e regulamentos de convivência, presta assessoria jurídica em casos de violência de gênero e participou ativamente de processos de incidência multinível com instituições públicas e privadas, instituições educacionais, organizações da sociedade civil, agências de cooperação internacional e, mais recentemente, na Quinta Reunião da Mesa Diretiva da Conferência sobre População e Desenvolvimento, em comemoração aos 10 anos do Consenso de Montevidéu.

Como se observa, a CFU e a FCM têm em seu repertório de táticas toda uma série de práticas de ação não violenta, desde os métodos de protesto e persuasão até o engajamento em processos juridicamente legitimados. Essas organizações são capazes de incluir, a nível nacional e internacional, nossas principais demandas como garantir programas de prevenção, atenção e erradicação da violência em todos os níveis educacionais e permitir o acesso efetivo, continuidade e qualificação das jovens no sistema educacional.

Ambas as organizações contam com um projeto emblemático: as Escolas Púrpura. Elas nasceram como a primeira escola independente, destinada a capacitar e sensibilizar a comunidade estudantil, a nível nacional e internacional, sobre a violência de gênero presente nas instituições de ensino superior do Equador.  Nas três primeiras edições, as Escolas Púrpura formaram 120 estudantes em 23 universidades de 15 províncias equatorianas.

Em suma, a equipe da Fundación Ciudadanas del Mundo seguiu replicando esse tipo de iniciativa no país.  Sabemos que a violência baseada em gênero segue sendo uma problemática e os esforços para tornar visíveis, agir e incidir sobre ela são profundamente necessários, especialmente neste momento em que os números de violência, assédio e perseguição registrados nas universidades equatorianas estão aumentando.

Para todos aquelas que acreditam no poder mobilizador da articulação feminista diante de cenários onde o manto do silêncio abriga cumplicidade e custa milhões de projetos de vida ao redor do mundo.

Vamos continuar!  E, como diz a diretora executiva da FCM, Ljubica Fuentes, vamos trabalhar até que a educação seja feminista ou não será.

Nota de agradecimento

A todas as mulheres universitárias que enfrentam, dia após dia, as vicissitudes da violência de gênero em sala de aula. Por vocês, tudo. Às companheiras da Fundación Ciudadanas del Mundo, por nos permitirem sonhar grande. Para Ljubica Fuentes, por ser mentora e companheira de caminho de forma incondicional. À Mikaela Granja, pois sua sensibilidade e análise crítica sobrevivem em cada uma das pessoas que você acompanhou e orientou nessa luta.

Nicole Alexandra Aguilar Fonseca

Socióloga com ênfase em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Equador (PUCE). Pesquisadora e gestora de projetos sociais há mais de três anos em organizações da sociedade civil. Integrante de organizações nacionais e internacionais que atuam na prevenção, combate e conscientização da violência de gênero.

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