Andrea Moreta
Nos protestos que assisti na minha cidade, Guayaquil, Equador, vivi várias experiências que, no final do dia, me deixaram um gosto amargo e doloroso pela forma como somos recebidos e mandados embora. No início dos protestos, somos recebidos por uma grande equipe de membros da Polícia Nacional do Equador – necessário, sempre que a segurança dos manifestantes seja ameaçada -. No decorrer dos processos, e quando estes chegam ao fim, às vezes somos intervencionados pela força policial apesar de não realizar nenhuma ação violenta. Somos agredidos simplesmente por nossa presença nos protestos. Esse é o gosto amargo que os protestos na luta pelos direitos das mulheres me dão. E é doloroso, também, porque as mães, irmãs e amigas das vítimas de feminicídio estão presentes nos protestos. É lamentável que o Estado não tenha fornecido a justiça e as reparações necessárias para as vítimas no âmbito do processo judicial.
Frequentemente participo de protestos que apoiam os direitos das mulheres. Estive presente em datas significativas como 28 de Setembro (Dia da Descriminilização do Aborto na América Latina e no Caribe) e 25 de Novembro (Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a mulher). Na minha experiência pude observar uma organização feminista bem estruturada, que conta com o apoio de muitas ativistas independentes e pessoas que, andando pela rua onde passa a marcha, apoiam a causa. Também se nota a presença de autoridades como agentes de trânsito e policiais para controlar a suposta desordem que causamos. Na realidade, nestas datas históricas se encontram presentes muitas mães cheias de dor que marcham com coragem pedindo justiça pela filha assassinada (feminicídio) ou por situações onde o Estado não está presente. Um exemplo foi quando o feminicídio de Lisbeth Baquerizo se tornou midiático e seus familiares marcharam para fazer sentir sua voz e exigir que o Estado realizasse as investigações adequadas: o principal suspeito era seu parceiro que atualmente ainda está foragido da justiça.
As marchas têm objetivos diferentes. Por um lado, 28 de Setembro é sobre a luta para que todas as mulheres possam tomar decisões livres sobre nossa saúde e direitos sexuais e reprodutivos, não apenas os mais privilegiados. No Equador ainda existem restrições e retrocessos legais que ameaçam nossos direitos reprodutivos, demonstrando a necessidade urgente de garantir um acesso equitativo à saúde sexual e reprodutiva para todas as mulheres. Por esse motivo, nossa luta contra a não-violência se concentra na entrega de projetos de lei à Assembleia Nacional junto com a Defensoria do Povo, bem como ir às ruas expressar nosso descontentamento com o Estado. A verdade é que, embora que a organização feminista lute para alcançar esse acesso, há muitos obstáculos por parte dos legisladores, uma situação que se torna mais complexa com as crenças religiosas da sociedade.
Por outro lado, o 25 de Novembro é a luta para denunciar a violência exercida contra as mulheres em todas as áreas, sendo esta a violação mais difundida dos direitos humanos no mundo. O que exigimos nas ruas são projetos sólidos que efetivamente se concentrem na prevenção e erradicação da violência, destinando recursos econômicos para a implementação de leis.
As marchas se organizam semanas antes das datas mencionadas acima e trabalham em conjunto com diferentes organizações do país. Em 2020, pude participar como ativista e estava fazendo estágios no Comitê Permanente para a Defesa dos Direitos Humanos (CDH). Junto com a liderança do secretário executivo Billy Navarrete, fui encarregado de realizar o cronograma para dar ordem e orientações às mobilizações. Feito isso, os detalhes específicos de cada marcha foram meticulosamente planejados: quem liderava a marcha, as estratégias a seguir durante, bem como as músicas que seriam entoadas para manter uma mensagem unificada e clara. Este processo foi realizado com muito cuidado e respeito pelo cronograma previamente definido para garantir que cada ação seja executada no momento certo. Essa organização detalhada permitiu manter a coerência e a eficácia dos protestos, fortalecendo a mensagem e a presença daqueles que participavam das marchas.
Durante o desenvolvimento das marchas, nosso foco se concentrou na implementação de ações de protesto e persuasão não-violentas. Isso envolveu não apenas a entonação das canções, mas também a estreita colaboração com várias organizações e colegas voluntários que se uniram à causa. Anteriormente, dias antes de cada marcha, nos certificávamos de ter impressas as letras das músicas que íamos entoar. Este foi um aspecto crucial para garantir que projetássemos nossas vozes de forma forte e unificada, especialmente considerando que as marchas eram realizadas em áreas altamente movimentadas e centrais da cidade de Guayaquil, capital da província costeira de Guayas. Esta abordagem estratégica nos permitiu transmitir nossa mensagem de forma impactante e audível para todas as pessoas presentes, reforçando assim nossa presença e provocando uma participação parcial da sociedade civil em favor da causa.
As organizações que nos acompanharam durante os protestos de 2020 foram O Centro Equatoriano para a Promoção e Ação da Mulher (“Centro Ecuatoriano para la Promoción y Acción de la Mujer”) (CEPAM), a Fundação Mulher & Mulher (“Fundación Mujer & Mujer”), a Coordenadora do Guayas (“Coordinadora del Guayas»), Wambra Meio Digital Comunitário (“Wambra Medio Digital Comunitario”), Aborto Livre Guayaquil (“Aborto libre Guayaquil”), a Aliança das Organizações pelos Direitos Humanos (“Alianza de Organizaciones por los Derechos Humanos”), a Fundação Rosa Luxemburgo (“Fundación Rosa Luxemburgo»), os diversos movimentos de mulheres em resistência e o movimento feminista de Guayaquil. Todos exigiam respeito aos direitos humanos, que nossa voz fosse ouvida em defesa da luta contra a violência contra mulheres, mulheres trans, adolescentes e meninas. Gritar que os feminicídios são resultado de uma sociedade cúmplice onde a violência de gênero foi normalizada, que não acompanha as vítimas, mas as vitimiza e as culpa pelos fatos suscitados, gerando medo na decisão de denunciar.
O propósito das marchas vai além do protesto, elas também tem um aspecto comemorativo e de homenagem às mulheres que faleceram. Isso é feito para manter sua memória viva e reconhecer sua importância. Além disso, essas manifestações buscam pressionar e exigir o reconhecimento legal do aborto seguro e gratuito, onde a abordagem ao aborto é mais jurídica do que moral, enfatizando o direito fundamental das mulheres de tomar decisÒes sobre seu próprio corpo. A falta de reconhecimento legal e a omissão de políticas a esse respeito contribuem para o aumento de mortes maternas evitáveis, um problema que poderia ser abordado através do Ministério da Saúde Pública, evitando assim um aumento desnecessário na mortalidade feminina.
Apesar das adversidades e da repressão, as experiências como ativista dentro dos protestos tem sido uma montanha-russa emocional. Em cada manifestação, força e determinação se misturam com dor e frustração ao ver como as demandas legítimas enfrentam resistência e, às vezes, repressão das autoridades. Essas marchas se transformam em momentos cheios de emoção, onde as vozes das mulheres ressoam com força nas ruas. Cada marcha, cada canto, cada faixa levantada é mais um passo em direção a um futuro onde os direitos das mulheres sejam respeitados por todos, independentemente de sua origem ou situação socioeconômica.
Ver mães marchando e exigindo justiça para suas filhas assassinadas (feminicídios) e outras circunstâncias é de partir o coração. Nesses momentos, as canções de protesto se tornam hinos de solidariedade e apelo por um mundo mais justo.
Traduzido por Livia Bueno