Alexis Colmenares Zapata
A paz e a democracia são dois valores que têm em comum a tolerância e o respeito às ideias divergentes. Ambas são construídas com base na negociação e na redução da violência. Além disso, precisam ter uma direção que permita à sociedade unir esforços para alcançar o bem-estar coletivo. Nos últimos anos, o Equador tem experimentado uma série de mudanças políticas, sociais e econômicas que geraram um clima de incerteza e tensão no país. Em julho de 2022, essa tensão atingiu seu ponto máximo quando uma greve nacional liderada por organizações indígenas sacudiu o país e evidenciou a necessidade de enfrentar, de maneira eficaz, os desafios da sociedade equatoriana. Esses acontecimentos são propícios para uma breve reflexão sobre a ação não violenta como ferramenta-chave no processo de resistência civil no Equador.
Em junho de 2022, o país sul-americano vivenciou uma das paralisações mais longas da sua história recente, com duração de 18 dias, estendendo-se por boa parte do território nacional, com maior intensidade nas províncias da região andina e amazônica, especialmente na capital. A origem desses tumultos estava na insatisfação de diversas organizações sociais e representantes indígenas com as políticas de Guillermo Lasso, que completava, em 24 de maio de 2022, seu primeiro ano de governo no Palácio de Carondelet.
Durante a primeira semana, ocorreram mobilizações em áreas rurais e em cidades como Quito. Na segunda semana, grupos indígenas e camponeses, liderados pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), se dirigiram à capital, e outras manifestações ocorreram nas principais cidades andinas, o que resultou na paralisação do país e na escassez de alimentos e produção. Por fim, na terceira semana, chegou-se a um acordo com o governo para cessar as medidas de fato.
As organizações indígenas condicionaram o fim da greve à resposta do governo a uma pauta de dez pontos com diferentes reivindicações. As exigências abrangiam diversos âmbitos, como o congelamento dos preços dos combustíveis, a moratória das dívidas com bancos públicos, privados e cooperativas, a não ampliação da fronteira do extrativismo mineral, o combate à insegurança, mais orçamento para a educação intercultural e preços justos para os produtos do campo, entre outras.
Durante as três semanas de protesto, a conflitividade e a violência marcaram o cenário social e político do país. As manifestações assumiram um tom cada vez mais violento em várias províncias. Houve deterioração de espaços públicos, ataques a instalações oficiais e confrontos entre manifestantes, forças do Estado e infiltrados. Pode-se mencionar, por exemplo, o ataque à Procuradoria-Geral do Estado e a escalada de violência na cidade de Puyo — na Amazônia equatoriana. O resultado mais notável foi a perda de vidas humanas e muitos feridos de ambos os lados, além de danos à infraestrutura, grandes perdas econômicas, ressentimentos, vandalismo e frustração.
Essa greve foi um chamado à ação por parte das comunidades indígenas e outras organizações sociais que buscavam proteger seus direitos e o meio ambiente. As manifestações tiveram efeitos sociais e políticos importantes, mobilizando um grande setor das classes populares e obrigando os poderes do Estado a reconhecerem a crise e a prestarem atenção a ela. Dessa forma, os tomadores de decisão e seus representantes foram surpreendidos pela ação direta das classes populares, especialmente dos indígenas e camponeses.
Assim, o protesto de junho de 2022, que incluiu manifestações pacíficas, bloqueios de estradas e paralisações de setores-chave da economia nacional, foi uma ferramenta fundamental no processo de resistência civil e uma resposta à falta de diálogo e escuta por parte do governo. Por meio da organização de manifestações, os movimentos sociais conseguiram chamar a atenção da opinião pública e pressionar as autoridades a ouvir suas demandas. O uso da manifestação como forma de resistência demonstrou — mais uma vez — a capacidade dos movimentos sociais de alcançar seus objetivos.
Embora a face mais visível das manifestações tenha se expressado por meio de grandes mobilizações, bloqueios de estradas e interrupção do transporte, também se percebeu a falta de esforços e estratégias por parte das lideranças indígenas para manter a disciplina não violenta e conter os focos de violência. O uso da violência dentro de um movimento não violento pode ter efeitos negativos, como a deslegitimação e o desestímulo à participação. Portanto, a melhor maneira de manter a legitimidade das reivindicações dos povos indígenas e o apoio da opinião pública era preservar o caráter não violento do protesto.
A resistência civil e a ação não violenta são processos cada vez mais comuns na luta pelos direitos humanos e pela justiça social em todo o mundo. A ação não violenta é uma forma de protesto que busca alcançar mudanças sociais e políticas sem recorrer à violência física ou verbal. Essa estratégia pode incluir manifestações pacíficas, desobediência civil, greves de fome, boicotes, entre outras formas de resistência não violenta. No caso do Equador, pode-se mencionar a ocupação simbólica do Parque El Arbolito e da Casa da Cultura em Quito, durante a greve nacional de junho de 2022. Essas formas de resistência foram essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Foi assim que, após a aceitação do diálogo entre as partes em conflito, em 30 de junho de 2022, as organizações indígenas e o governo nacional conseguiram assinar um acordo com a mediação da Conferência Episcopal Equatoriana para encerrar a greve nacional. As partes assinaram um “Ato pela Paz”, onde foram estabelecidos os consensos e compromissos alcançados. Em um primeiro momento, o Executivo aceitou reduzir o preço dos combustíveis, trabalhar para focalizar o subsídio à gasolina, revogar o Decreto Executivo 95 sobre hidrocarbonetos e reformar o Decreto Executivo 151 para proibir a atividade mineradora em áreas protegidas. Por sua vez, as organizações indígenas declararam o fim das mobilizações em todo o país e o retorno às comunidades, assim como a suspensão de todo ato que pudesse afetar a paz e a ordem pública.
A construção da paz também foi um aspecto fundamental durante a greve nacional. Apesar da intensidade das manifestações, de alguns focos de violência e do desacordo político, o uso da ação não violenta e a cooperação entre os diversos movimentos sociais permitiram reunir pessoas de diferentes comunidades e grupos sociais com o objetivo de trabalharem juntas por uma causa comum.
Por meio da promoção de valores como justiça, igualdade e solidariedade, os movimentos sociais contribuíram para criar um ambiente de confiança e diálogo, o que permitiu uma negociação mais eficaz entre as partes envolvidas. A cooperação e o trabalho em equipe foram fundamentais para alcançar avanços significativos na luta pela justiça social e pelos direitos humanos no país. Além disso, a ação não violenta e a resistência pacífica possibilitaram a criação de um espaço de diálogo e escuta mútua, contribuindo para maior compreensão e para uma solução pacífica dos conflitos.
Entretanto, a construção da paz no Equador não é um processo fácil nem rápido. É um processo que exige a participação ativa e comprometida de todas as partes interessadas, incluindo as autoridades, as comunidades indígenas e as organizações sociais. A repressão e a violência continuam sendo um problema recorrente, e as demandas das organizações indígenas e de outros grupos marginalizados seguem sem ser plenamente atendidas. Do ponto de vista da paz negativa — termo cunhado por Johan Galtung, uma referência obrigatória nos Estudos de Paz e Conflito —, entendida como a redução da violência direta, podemos considerar que o Ato pela Paz cumpriu seu objetivo de cessar a violência e o confronto violento entre manifestantes e forças de segurança, atendendo às causas imediatas do conflito — os dez pontos exigidos pelas organizações indígenas. No entanto, devemos refletir — e questionar — se tais acordos abordaram as causas subjacentes que geram e continuarão a gerar uma violência invisível e muito mais profunda, como a discriminação, a exclusão histórica, o racismo e as grandes desigualdades sociais, apenas para mencionar algumas.
Num contexto de violência estrutural, cultural e direta, no Equador surgem, de tempos em tempos, relações de convivência conflituosas devido à discriminação. Além disso, não há um reconhecimento generalizado dos problemas de racismo e exclusão social presentes na sociedade equatoriana. Tanto a sensibilidade ao conflito como a gestão de riscos apontam para a importância de gerar uma visão coletiva de futuro para a construção e o empoderamento dos atores sociais, visando uma imagem desejada para o Equador em um horizonte de curto, médio e longo prazo.
É importante continuar trabalhando juntos para construir um futuro mais justo e pacífico para todos os habitantes do Equador. A ação não violenta, a resistência civil e os movimentos sociais são ferramentas poderosas para alcançar mudanças positivas na sociedade. Para alcançar uma sociedade verdadeiramente pacífica e justa no país, é essencial enfrentar os desafios das comunidades a partir de uma perspectiva integral. Isso significa não apenas tratar das questões econômicas e políticas, mas também dos desafios culturais e sociais enfrentados pelas comunidades mais vulneráveis do país.
Alexis Colmenares Zapata
Doutor em Estudos Internacionais, diplomata de carreira (2002–2017). Professor na Universidad San Francisco de Quito, no Instituto de Altos Estudos Nacionais (IAEN) e na Flacso Equador.
Traduzido por: Rafael Moreira
Publicado: 16 de fevereiro de 2023