favicon
  • Jul 04, 2025
  • 5 minutes

Diante da violência patriarcal do Estado, resistências feministas

Daniela Martínez-Rodríguez

Em um contexto em que a implementação de políticas neoliberais se intensifica e os direitos das mulheres e das pessoas gestantes são ameaçados cotidianamente, ocupar as ruas se torna uma resposta imediata. A Costa Rica costuma ser vista como um país pacífico, sem exército e com destinos turísticos atrativos. No entanto, pouco se fala sobre os cortes em políticas sociais redistributivas, a falta de vontade política para atender às necessidades da população com uma abordagem de gênero integral e a desarticulação dos movimentos sociais e da ação coletiva, especialmente após a proibição de greves no setor público em 2020.

Apesar disso, os movimentos feministas têm se articulado em momentos estratégicos, especialmente nos dias 8 de março e 25 de novembro. Nessas datas, coletivos e organizações defensoras dos direitos humanos convocam manifestações pacíficas em defesa dos direitos das mulheres.

Até recentemente, a discussão sobre o acesso ao aborto não fazia parte da agenda pública. O caso de Ana e Aurora marcou um divisor de águas na narrativa em torno da aplicação do aborto terapêutico na Costa Rica. As duas mulheres denunciaram o Estado costa-riquenho perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2013 por terem sido vítimas da não aplicação da legislação vigente. Em 2015, chegaram a um processo de conciliação com o Estado. Durante esse período, o governo comprometeu-se a elaborar uma norma para regular o aborto terapêutico — compromisso rompido durante o governo do ex-presidente Solís-Rivera (2014–2018), sob a justificativa da inexistência de um «ambiente político adequado» para dar seguimento ao processo.

Após um longo período de reivindicações sociais, em 2019 foi assinada a norma técnica para a interrupção terapêutica da gravidez, que descreve o procedimento para acesso ao aborto nos termos do artigo 121 do Código Penal. A norma estabelece que o aborto na Costa Rica será permitido apenas em casos de risco à vida ou à saúde física ou mental da mulher ou pessoa gestante, sendo penalizado com prisão em caso de descumprimento dos artigos 118 a 120 do Código Penal.

Recentemente, circulou a informação de que o Poder Executivo estaria prestes a emitir um decreto que revoga a norma técnica vigente, propondo sua substituição por um novo regulamento intitulado “Regulamento técnico para a atenção integral da mulher e do nascituro durante a gestação, o parto, o puerpério e em situação de perigo iminente de morte”. Tal mudança implicaria maiores restrições ao acesso efetivo ao direito à interrupção legal da gravidez. O novo regulamento propõe alterações que limitam ainda mais o aborto terapêutico, hoje autorizado por autoridades da saúde pública com base na norma atual. Entre os retrocessos está a exigência de que mulheres levem a termo gestações incompatíveis com a vida extrauterina. Além disso, mesmo nos casos em que o procedimento for autorizado, será exigido que a mulher assine um termo de consentimento informado com a assinatura adicional do “cônjuge ou pai do nascituro” (pessoa antes de nascer), eliminando referências ao conceito de aborto legal e ao direito de decidir.

No contexto do Dia Internacional da Mulher, diversas organizações, ativistas independentes e coletivos feministas convocaram a sociedade civil a participar de uma marcha em defesa do respeito pleno aos direitos das mulheres, pessoas não binárias e pessoas gestantes — em resistência a um sistema que busca implementar políticas restritivas que violam os direitos humanos. O chamado foi dirigido a diferentes setores da sociedade, não apenas pela defesa do direito de decidir, mas também contra as desigualdades sociais e estruturais arraigadas na cultura política costa-riquenha — uma cultura que permitiu a eleição de Rodrigo Chaves Robles, presidente denunciado por assédio sexual e que tem demonstrado pouco interesse em fortalecer políticas sociais com perspectiva de gênero.

Além da grande adesão à marcha realizada em 8 de março deste ano, coletivos e organizações continuam a promover campanhas informativas, declarações públicas e posicionamentos políticos contra a proposta de revogação da norma técnica vigente, alertando que isso representaria um grave retrocesso em termos de direitos sexuais e reprodutivos. É importante destacar que essas mobilizações se mantêm ativas frente à reação de diferentes setores da política institucional, como parlamentares da bancada governista e do partido Nueva República, autodenominados “pró-vida”, que se posicionaram a favor da proposta de restringir o direito ao aborto legal, defendendo a eliminação da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), conforme consta no expediente legislativo 23662.

No dia 8 de março, após um longo período de desarticulação e silêncio da sociedade civil causado pelas restrições impostas pela pandemia, diversos setores se manifestaram pela dignidade de mulheres com deficiência, indígenas, afrodescendentes, lésbicas, bissexuais, queer, defensoras do meio ambiente, trabalhadoras sexuais, mulheres em situação de trabalho precário, mães, meninas, pessoas trans e não binárias. Esse levante refletiu o acúmulo de descontentamento social e os anos de negligência em relação às demandas por uma política social interseccional, que contribua para reduzir a desigualdade de gênero e combater a violência política contra as mulheres.

Além dos protestos, muitas ações complementares realizadas por coletivos e organizações feministas têm se consolidado por meio da autogestão, indo além dos posicionamentos públicos e da convocação para marchas e plantões. O movimento feminista na Costa Rica tem se articulado com o objetivo de criar espaços de formação e reflexão feminista, encontros culturais e processos contínuos de capacitação de mulheres. É o caso do coletivo Aborto Legal Costa Rica (ALCR), que tem liderado e promovido essas iniciativas junto a organizações como ACCEDER, Nosotras Women Connecting, Movimento Estudantil Universitário, Frente Feminista da Frente Ampla, entre outras.

Os feminismos na Costa Rica demonstraram que a mobilização social é parte essencial do exercício dos direitos humanos, sendo uma resposta direta à omissão do Estado frente à desigualdade e à exclusão social na região. Ainda que não haja, até o momento, uma resposta positiva e conciliadora por parte do Poder Executivo, os movimentos sociais seguem resistindo.


Daniela Martínez-Rodríguez
Cientista política, Agente de Mudança (FES) 2022 e ativista em defesa dos direitos humanos na América Central. É também pesquisadora em política social, desigualdade social e estrutural na região centro-americana.

 Publicado: 26 de abril de 2023

accionnoviolenta # accionnoviolenta # accionnoviolenta # accionnoviolenta # accionnoviolenta # accionnoviolenta # accionnoviolenta #

Patner Logo