Para os membros das forças de segurança:
um guia os para apoiar os movimentos pela democracia
Maciej Bartkowski
Uma identificação pessoal emitida pelo Comitê de Segurança do Estado de Bielorrusia. Nota: “3% Sasha, e o momento de correr!” (Sasha faz referencia a presidente bielorruso Lukashenko, 3% se refere aos resultados de uma enquete informal sobre o apoio a Lukashenko no pais). Fonte: conta do Twitter @belamoa
Quando os cidadãos realizam uma resistência civil pela democracia contra um governo autoritário, como os membros das forças de ordem, da segurança interior, dos serviços de inteligência e das forças armadas do país podem ajudá-los?
Recentemente, na Bielorrusia alguns membros das forças de segurança estatal jogaram publicamente ao lixo seus cartões de identificação e uniformes em protesto contra o ditador e seu longo tempo no mandato.
Nos Estados Unidos, os generais de posições mais altas aparentemente estão considerando a possibilidade de renunciar caso seu atual presidente em exercício se negue a aceitar os resultados eleitorais e ordene ao exército reprimir os protestos de rua.
Um militar bielorruso se grava jogando seu uniforme em uma lata de lixo em protesto a uma ordem contrária às manifestações dissidentes, 12 de agosto de 2020. Fonte: conta de Instagram @anatoli_novitski
Ambos países têm diferenças importantes, mas cada um destaca o fato de que os movimentos populares influenciam significativamente nas atitudes e comportamento das forças de segurança. De fato, uma investigação quantitativa mostra que nos movimentos não-violentos vitoriosos contra autocratas/ditadores, as deserções das forças de segurança ocorreram mais de 52% das vezes. De forma crucial, quando tais deserções ocorrem, os movimentos não-violentos tiveram 46 vezes mais probabilidades de obter êxito.
Suponhamos que trabalhe na polícia, em segurança interior, serviços de inteligência ou no exército. Um governante em exercício te ordena reprimir um movimento pela democracia em que as pessoas protestam desarmadas contra ele. Pessoalmente, você não está de acordo com o que o governante e seus bajuladores políticos esperam de você. No fundo, você sabe que não estaria servindo o país nem ao seu povo senão obedecer essas ordens. Em consequência, você começa a buscar ideias para atrasar, desviar ou ir contra as ordens do governante para reprimir o movimento não-violento.
Você não está sozinho. Como foi comentado por muitos acadêmicos, jornalistas e ativistas no último século, as forças de segurança têm feito ações valentes, mas geralmente discretas, para apoiar os movimentos pela democracia e, portanto, se posicionarem do lado correto da história. A continuação se mostra lista dessas ações.
Como desencargo de consciência de responsabilidade geral, um membro das forças de segurança deverá usar melhor seu julgamento ao aplicar as seguintes ações, idealmente confiando em um grupo unido e confiável, e/ou em aliados externos quando for possível; tanto para alcançar um maior nível de segurança, como para aumentar o impacto das ações individuais.
MANTER-SE NO SISTEMA E AJUDAR O MOVIMENTO PELA DEMOCRACIA DE DENTRO
Se optar por esse caminho, você pode:
Construir uma rede de resistência interna com grupos externos:
Atuar por sua conta própria ou, melhor, buscar e reunir-se com outros em uma situação similar e começar a criar uma rede de resistência de membros de seguranca com ideias semelhantes
Sondar informalmente os colegas sobre como se sentem suas famílias no que diz respeito ao governante e a suas ordens com o movimento. Se percebe um dilema ou uma hesitação, peça que trabalhem com você internamente.
Aventure-se em identificar os participantes do movimento cujos familiares servem nas forças de segurança (talvez dependendo de aliados externos). Conecte-se com esses membros para avaliar sua lealdade ao governante e, se surgir a oportunidade, construa uma rede de resistência de todas as partes e serviços.
Estabelecer contato com veteranos aposentados que pertençam ao mesmo serviço que você, e que você sabia que simpatizam com o movimento ou com os que representa.
Estabelecer contatos informais com grupos legítimos nacionais e/ou internacionais em prol da democracia e dos direitos humanos.
Atrasar, atrasar, atrasar… e aniquilar:
Atrasar as ordens e ações contra o movimento ao trabalhar de acordo com o regulamento: seguir meticulosamente e cuidadosamente todas as regulações e procedimentos de seu departamento ou agência.
Demonstrar falta de conhecimento ou falta de habilidades requeridas se te ordenarem a realizar ações contra o movimento. De fato, se seus superiores ou colegas querem sua ajuda em atividades contra o movimento, finja que você:
Não sabe como
Não sabe onde
Não sabe como encontrar
Não sabe
Não tem
Não pode fazer
Não pode consentir
Não pode se unir
Não pode trabalhar
Está ocupado
Quer ajudar
Demonstrar incompetência involuntária e “mal interpretar” as ordens conta o movimento. Realize ações que resultem em “erros acidentais”; já que não prejudicam, mas ajudam o movimento.
Tirar tempo livre
Alegar enfermo quando seus superiores te deram ordens contra o movimento
Tirar férias acumuladas e bem merecidas em caso de que os superiores te deem ordens contra o movimento
Suavizar a lealdade dos colegas para com o governante e/ou superiores
Compartilhe piadas com colegas que zombam do governante ou de seus superiores, explicando que escutou essas piadas em algum lugar. É bem sabido que o pesadelo de um homem forte e que pessoas zombam ou riam dele ao invés de temê-lo ou bajulá-lo. Um comentário aparentemente ambíguo poderia suavizar o caminho, como: “As piadas sobre nosso querido líder não são realmente divertidas… só uma pessoa as entende”.
Plante perguntas sutis sobre se você e seus colegas estão no lado correto da história se continuam sendo leais e servindo ao governante
Semeie dúvidas sobre se o governante e superiores podem exercer um controle efetivo no país frente a cooperação pública generalizada; e sobre se um governo ineficaz pode sustentar-se por muito tempo.
Ajudar a desviar a lealdade dos colegas distantes do governante, em favor da constituição e/ou do movimento e sua causa.
Desmascare e canonize aqueles militares que implementam ordens de repressão ao movimento com diligência e entusiasmo. Utilizar diferentes canais para proporcionar informação sobre eles ao movimento, de modo que este possa juntar-se à denúncia pública dos indivíduos desmascarados.
Dar forma às opiniões dos colegas sobre o movimento:
Reconheça que o movimento não-violento está composto por pessoas desarmadas que precisam ser protegidas, não reprimidas. Se ocorrem incidentes violentos a margem do movimento, tenha em conta que a maioria das pessoas do movimento continuam sendo não-violentas
Remarque que, inclusive se está envolvido em uma disrupção não-violenta que paralisa o país, o movimento não-violento abre a porta para negociações genuínas sobre a transferência pacífica do poder e reformas democráticas.
Ajude os colegas e distinga entre a desinformação/propaganda sobre o movimento e a verdade. Consulte fontes de informação independentes legítimas e, em caso de estar a sua disposição, use dados e informações coletados internamente (que geralmente são confidenciais para o público) sobre o movimento e suas ações, com o fim de apresentar fatos sem distorções aos seus colegas.
Proteger os seus colegas
Proteger seus subordinados que simpatizam com o movimento e apoiar as reformas democráticas quanto for possível.
Documentar e fazer bom uso de informações que tenham:
Documentar ordens e ações contra o movimento, especialmente aquelas que violam os direitos humanos ou seja ilegais; fazendo isso em maior forma possível e de uma maneira segura
Transmitir informação útil ao movimento, seja através de simpatizantes veteranos que pertençam ao mesmo serviço que você, ou diretamente.
Informar ao movimento quando e em que circunstância seus superiores querem que use sua força violenta contra os manifestantes
Informar ao movimento quando e onde se espera que agitadores se infiltrar no movimento e em suas ações
Solicitar ordens escritas e assinadas, assim como seu cumprimento constitucional:
Solicitar aos superiores ordens escritas e assinadas se essas são para ferir os manifestantes não-violentos ou aos dissidentes, e espere recebê-las antes de serem postas em prática
Analisar as ordens de um governante e seus superiores com respeito as o que está estipulado nas constituições e os direitos fundamentais assegurados nela, e solicitar explicações escritas de seus superiores sobre como essas ordens cumprem com esses princípios.
Usar os tribunais sempre que possível
Consultar os tribunais (ou pedir a seus aliados que consultem) as ordens contrárias ao movimento que recebam do governante ou superiores antes de implementá-las, para poder determinar se cumprem com as leis existentes, incluindo a constituição. Isso pode ajudar você ou o movimento ganhem algum tempo
Ajudar a educar o movimento:
Compartilhar com o movimento sugestões sobre ações e comportamentos específicos que seriam úteis para influenciar os pontos de vista dos seus colegas sobre o governante; desviando assim a lealdade deles a ele, e gerando uma atitude positiva para o movimento
Enfatizar com os movimentos que a disciplina não-violenta é fundamental para você atrair outros colegas para o seu lado e para o movimento. É difícil, talvez impossível, convencer seus colegas a se unirem ao movimento se os ativistas ameaçam usar violência contra eles
Se seus seguidores internos te permitirem, organize uma greve ou protesto. Daca demandas econômicas e políticas, incluindo melhores condições de trabalho. Também peça a seus familiares e concidadãos que os acompanhe, tragam comida, e se una a ação para apoiar e proteger os participantes. O governante provavelmente os acusa de motim, mas é possível que ele já tivesse partido quando seus subordinados tomaram medidas contra você.
Se você se encontra exposto, torne isso público
Se o governante ou superiores descobrirem suas ações e você souber que querem prender você por acusações políticas, considere fazer pública sua posição e busque proteção de organizações de direitos humanos; aliados políticos; e inclusive embaixadores e embaixadoras de nações democráticas com presença em seu país.
RENUNCIE AO SISTEMA E AJUDE O MOVIMENTO EXTERNAMENTE
Se escolher esse caminho, você pode:
Se una ou crie um grupo de veteranos que simpatize com o movimento e permita que seus ex-colegas ativos saibam que podem contar com você e que podem abordá-lo caso queiram transmitir informações confidenciais que possam ajudar o movimento
Coordenar sua renúncia junto com os outros colegas de ideias similares e renunciar em grupo para maior impacto.
Participe de uma “renúncia barulhenta”, incluindo o anúncio em vídeos que condenem as ações do governante e encorajam seus colegas a seguir seus passos, ou a continuar no sistema, mas ajudando o movimento. Logo pode aconselhá-los, seja no privado ou em público, sobre as formas em que podem ajudar, incluindo compartilhar com eles a informação que aparece neste guia.
Reúna toda informação que possa ajudar o movimento antes de renunciar e, depois da renúncia, transmita essa informação ao movimento.
“O exército com o povo. Detenham a Luka” (isto é dizer, Lukashenko, o líder da Bielorrusia desde muito tempo). “3%” se refere aos resultados das enquetes informais sobre o apoio a Lukashenko no país. Fonte: conta do Twitter @belamova
UNIR-SE AO MOVIMENTO
Se optar por esse caminho, você pode:
Anunciar que você e muitos colegas e/ou subordinados com ideias comuns se uniram ao movimento , e que tem a intenção de comparecer aos locais de protesto uniformizados, mas desarmados para proteger os ativistas com seus corpos. Podem formar um escudo humano, defendendo os manifestantes da violência do governante e dos seus aliados mais leais.
Se unir a uma ação do movimento uniformizado, mas desarmados e pedir ao movimento a oportunidade de usar o cenário para falar aos outros participantes sobre você e aos outros como você que se encontram dentro do sistema e apoiam os ideais que defendem o movimento
Utilize as redes sociais e outros meios massivos disponíveis para toner público seus motivos para deixar o serviço e unir-se ao movimento
Apele a seus ex-colegas ativos para deixarem o serviço e se unirem ao movimento, ou para permanecerem no sistema, mas resistindo internamente. Também pode aconselhá-los sobre as formas de como podem ajudar, incluindo as informações que aparecem neste guia.
Apontar e denunciar aqueles colegas que trabalham no mesmo serviço que você trabalha, os quais você sabia que estavam usando violência contra os manifestantes desarmados.
Se você apoia algum movimento, ou todavia está indeciso, não se engane: algum dia, não distante, podem pedir que siga ordens que você considera injustas e ilegais. Pessoas como você, servindo em outros tempos, em outros países, e enfrentando dilemas similares, seguiram a cabo as ações enumeradas neste guia; muitas vezes, apesar do risco ao qual se expunham a si mesmos e a seus queridos.
Medite em tudo, prepare-se, e avalie suas opcoes com antecedência. Onde há vontade, há um caminho.
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Maciej Bartkowski Dr. Maciej Bartkowski es Asesor Superior de ICNC. Trabaja en programas académicos para ayudar a la enseñanza, investigación y estudios sobre la resistencia civil. Es editor de las Monografías y Reportes Especiales de ICNC, así como editor del libro Recovering Nonviolent History.