Pryanka Peñafiel Cevallos
Desde a criação do Instituto Regional para o Estudo e Prática da Ação Não Violenta Estratégica nas Américas, por meio de nossos cursos virtuais, webinars, blogs e podcasts, temos tido o objetivo de difundir o conhecimento, as experiências e as vozes de diferentes campanhas e movimentos de resistência não violenta em nossa região. No entanto, muitas pessoas que participam de nossos cursos, que nos leem, nos escutam ou têm algum contato com o nosso projeto ainda nos perguntam: O que é violência e o que é paz? O que é a não violência? O que é ação não violenta? Isso é o mesmo que pacifismo? Como sei que o que estou fazendo em minha comunidade é uma ação não violenta? Então, percebemos que é justamente aí que devemos começar, esclarecendo o que é a resistência não violenta e por que temos tanto interesse nela.
A resistência não violenta é um método de luta com uma longa história cujas raízes podem remontar a religiões e culturas específicas, à ética e responsabilidade individual, ou à conhecida resistência de Mahatma Gandhi contra o colonialismo britânico na Índia. Gandhi entendia a não violência não apenas como a oposição ao conceito limitado de violência, ou seja, a violência física, direta, visível e manifesta, mas também como uma forma de persuasão para conquistar os oponentes ao confrontar coletivamente as injustiças sociais, porém sem causar danos. Com isso, não nos referimos a manter a «paz» e o status quo da sociedade. Na resistência não violenta, a paz é entendida não apenas de forma negativa, como a ausência de violência física, mas também de forma positiva: a paz como a ausência de violências diretas, estruturais e culturais que privam os seres humanos de seus direitos.
Vários acadêmicos e acadêmicas têm insistido na necessidade de distinguir a não violência como uma filosofia de vida baseada em princípios éticos da resistência não violenta, entendida como uma prática e ação política estratégica. No século XX, a não violência começou a ser entendida mais como uma ferramenta deliberada para a mudança social, passando da definição ancorada em princípios religiosos ou éticos para uma compreensão mais pragmática, como métodos reflexivos, estratégicos e institucionalizados de mudança social. E já no século XXI, a resistência não violenta começou a ser estudada como um campo acadêmico independente, com seus próprios métodos, raízes teóricas e metodológicas.
Gene Sharp, um dos principais teóricos da resistência não violenta, rejeitou o uso do termo «não violência» para se referir às ações políticas, devido à sua ambiguidade e confusão com vários tipos de não violência baseados em princípios. Ele propôs chamar de «luta não violenta» a diversos métodos específicos de ação psicológica, social, econômica e política que não utilizam a violência física. Os métodos e táticas da resistência não violenta são variados e podem incluir atos de omissão, comissão e uma combinação de ambos (veja 198 métodos de ação não violenta [Sharp] e 346 táticas de resistência não violenta [Beer]). Portanto, a resistência não violenta — ou satyagraha, ação direta, ação não violenta, luta não violenta, poder popular, resistência civil, entre muitos outros — refere-se ao uso de meios não violentos e não convencionais contra um ou mais oponentes para alcançar mudanças diante de uma situação percebida como injusta. Em outras palavras, a resistência não violenta tem um enfoque pragmático; ela é usada pela eficácia das ações, seja para obter reformas ou mudanças estruturais.
Com isso, queremos explicar que muitas das pessoas que formam ou se unem a um movimento ou campanha de ação não violenta não estão necessariamente motivadas pela não violência baseada em princípios éticos, mas sim pela efetividade da resistência civil. A resistência não violenta não tem uma relação direta com o pacifismo. Em outras palavras, nem todas as pessoas que praticam ações não violentas são pacifistas ou têm uma religião determinada, porque a resistência não violenta não define um modo de vida específico baseado em certas crenças. Pelo contrário, a resistência civil chama ao ativismo e à ação direta, planejada, estratégica e disciplinada, executando ações que se fundamentem no respeito aos direitos humanos universais e que visem construir sociedades mais justas e inclusivas.
Embora alguns ativistas estejam eticamente comprometidos com a não violência como forma de vida, a ação não violenta não exige que os ativistas estejam moralmente comprometidos com o pacifismo ou a não violência como princípio ético. O que preciso, então, para entender a resistência não violenta? Precisamos entender o fator de efetividade dela, saber que a resistência se baseia em métodos estratégicos, sustentáveis e taticamente diversos, realizados pelo povo para exercer poder sem utilizar a violência.
Em seu livro, Estudos de Paz e Conflito, Cécile Mouly explica que as principais características da ação não violenta ou resistência civil são:
- É usada por cidadãos que buscam uma mudança social para superar os desafios que representam oponentes mais poderosos no sentido tradicional do poder.
- Faz uso de métodos não convencionais (ou seja, extrainstitucionais). Isso não significa que as pessoas envolvidas em campanhas de resistência civil rejeitem métodos convencionais, como negociações, processos judiciais ou eleitorais. Na prática, muitos movimentos não violentos combinam a resistência civil com métodos convencionais. Por exemplo, a campanha de resistência não violenta contra o regime de Pinochet no Chile (1983–1989), que culminou na realização de um referendo.
- Implica não recorrer à violência física nem ameaçar com seu uso.
- É um esforço sustentado. Um protesto não é suficiente para se falar em resistência civil. Requer um processo no qual diversos atores sociais buscam mudanças por meio de vários métodos não violentos.
A ação não violenta entende que o consentimento e a obediência das pessoas comuns mantêm os poderosos no poder. Portanto, se o povo começar a questionar a ordem estabelecida, retirando seu consentimento e recusando-se a obedecer, os poderosos perderão sua influência. Também reconhece que, ao reduzir sua dependência dos poderosos e conquistar maior autonomia, os grupos oprimidos podem fortalecer seu próprio poder. Graças à capacidade de alterar o equilíbrio de poder, a ação não violenta conseguiu pôr fim a sistemas coloniais, ditaduras e muitas outras formas de injustiça. Em resumo, a eficácia em obter resultados e mudanças, a vantagem de participação em relação às insurgências violentas e a probabilidade de fortalecer regimes democráticos são o que nos impulsiona a acreditar que a forma de construir sociedades mais justas e igualitárias é por meio da ação. Não é a passividade, a manutenção do status quo ou a defesa de uma paz negativa que mudará o mundo: são as ações estratégicas e planejadas de resistência não violenta.
Pryanka Peñafiel Cevallos
Coordenadora do Instituto Regional para o Estudo e Prática da Ação Não Violenta Estratégica nas Américas. Possui mestrado em Pesquisa em Relações Internacionais pela Flacso Equador e é estudante de doutorado na Universidade de Massachusetts – Boston (Estados Unidos).
Texto traduzido por Carla Habif